sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Toda forma de poder

Na medida em que se acumula poder, seus inimigos também crescem de força – seja porque também se esforçam para robustecer e superá-lo, por causa da concorrência, quanto porque quando não conseguem, se aliam a outras forças menores – de modo a neutralizar a disparidade.Donde se conclui que a luta pelo poder é, de fato, inglória - posto que infinita e para sempre se chegar ao mesmo lugar – uma aproximada equidade.

Inocência inútil

O grande equívoco dos keynesianos-desenvolvimentistas é supor que sua ideologia se contraponha ao neoliberalismo – quando na verdade se contrapõe tão somente ao socialismo.
Só num mundo onde existe o socialismo como concorrência factível é que os capitalistas podem ceder os aneis para não perderem os dedos – conforme o belo exemplo dos países nórdicos.

Quando não tem concorrência, o capitalismo não existe de outra maneira que a neoliberal, que o anarcocapitalismo, enfim, que a desgraça em estado puro.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Olhando da popa e pensando

Quando algum dia, uma pessoa no futuro avaliar nossa porca miséria – 1 bilhão de pessoas, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) passam fome no mundo, pensará algo.
Pensará algo, porque observará que nosso planeta desperdiça uma quantidade enorme de alimentos (suficiente para alimentar os famintos e ainda sobrar comida). Pensará algo, pois o nosso planeta, nesta época em que vivemos já é pequeno perto das fronteiras exploradas do universo, tanto pelo homem, quanto por equipamentos por ele criados; observará que uma sociedade que achou petróleo há milhares de metros abaixo do solo e do mar, que consegue construir edifícios babélicos, que consegue produzir espetáculos majestosos como a abertura das olimpíadas, que consegue fazer com que a terra se torne pequena com a internet e sistemas avançados de comunicações, que consegue criar aceleradores de partículas, filmes inimagináveis, raio laser, teoria da relatividade, das supercordas e quântica, medir os ecos do próprio big bang, conseguindo descobrir com 1 por cento de taxa de erro que o universo possui 13,7 bilhões de anos de idade, que consegue calcular a forma como os continentes se separaram, que constrói submarinos, ferraris e hayabusas, aviões “pássaros negros” (blackbirds) e naves espaciais, que vê o seu potencial criativo, científico e tecnológico em níveis esplendorosos, pois bem...
Esta pessoa conseguirá avaliar que, a despeito de tudo que conseguimos construir, não conseguimos dispor para 1 bilhão de pessoas – friso, não são dez, não são cem, não são mil, são 1 bilhão de pessoas – aquilo que há de mais básico, mais elementar, aquilo que um próprio homem da caverna sabia que tinha de conseguir: alimento.
Não conseguimos, depois de tudo que conquistamos, atender aquilo que desde sempre deveria ter sido prioridade.
¿Como justificar, que, com tanta evolução, não conseguimos encontrar a sociabilidade de uma formiga? Um ser tão simples, mas tão simples, que sequer sistema respiratório possui (o ar passa pela formiga e as células absorvem diretamente o ar). ¿Como esta pessoa nos avaliará, observando que estamos aquém da evolução societária de uma simples formiga?
Esta pessoa pensará algo sobre nós.

Quando algum dia, uma pessoa no futuro avaliar nossa frivolidade, observará um mundo com tanta informação e tão pouco conhecimento; capaz de criar terabytes e terabytes de informação por dia, um mundo onde basicamente todo mundo conhece tudo e não sabe de nada. Ela avaliará que só num mundo como o nosso poderia existir um twitter, o resumo da futilidade de uma era.
Esta pessoa pensará algo sobre nós.

Quando algum dia, uma pessoa no futuro observar que sobre os humildes mortais recaía uma carga pesada de impostos, enquanto as movimentações financeiras dos especuladores nababos – movimentações financeiras que levam países e empresas à bancarrota da noite para o dia – não pagavam impostos, ela pensará algo. Refletirá mais quando souber da desigualdade social escabrosa que imperou no mundo.
Esta pessoa pensará algo sobre nós.

Quando algum dia, uma pessoa no futuro avaliar que os gastos humanitários para ajudar os países humildes, de 1950 à 2009 somaram 2 trilhões de dólares. E, observar que num único ano, para ajudar especuladores e bancos, os governantes desperdiçaram 50 trilhões de dólares, ela concluirá algo. 50 trilhões de dólares em um ano.
Ou seja, o investimento para os mais carentes, mais humildes, pessoas que tiveram seus sonhos cerceados, muitos decorrentes da forma como os países ricos impuseram suas colonizações: extraviando nossos recursos naturais (petróleo, ouro, prata, etc.), implementando uma sociedade fundamentada como um castelo de areia, criando países desenhando num mapa sobre uma mesa, unindo dentro de um mesmo território clãs e tribos rivais, e dividindo clãs e tribos aliadas; patrocinando golpes militares que só fizeram concentrar renda, etc. Para depois de tudo isto investir em cerca de 60 anos, 2 trilhões de dólares para amenizar o desastre que eles mesmos criaram. Isto com a justificativa espúria de que não poderiam investir mais devido a corrupção (como se não pudessem doar o dinheiro condicionando-o a auditorias – que poderiam ser feitas por empresas do país doador, por exemplo).
Já para especuladores, pessoas que não ajudam nada, não contribuem com nada, nunca produziram um parafuso sequer, ervas daninhas que só sabem sugar da sociedade, para estes seres infectos, escória da humanidade, num ato de corrupção explícita, doam 50 trilhões de dólares em um ano.
Esta pessoa observará que o dinheiro não foi para matar a fome de ninguém, não foi para construir nenhuma estrada, ferrovia ou casa, não foi para levar água a quem precisa, não foi para nada que preste: foi só para impedir que a riqueza dos plutocratas não diminuísse muito. Só para isto.
Esta pessoa pensará algo sobre nós.

Quando algum dia, uma pessoa no futuro observar que ao invés de se preparar para se tornarem grandes cidadãos, para melhorar o mundo, a elite da nossa juventude está sendo desperdiçada, focada numa prova ignara que não lhes ajudará em nada mais na vida, este deserto inglório que é o vestibular, ela conseguirá – diferentemente da prova aplicada – nos avaliar.
E esta pessoa pensará algo sobre nós.


No dia de hoje, nós conseguimos observar o que ocorreu, as grandes vitórias históricas da humanidade – Stalingrado e a derrota de Hitler, as lutas pelas independências nacionais, a revolução soviética e cubana. E as derrotas históricas, também – a escravidão, os feudos, a colonização, o neoliberalismo, as ditaduras, a idade média como um todo, etc.
Porém, ao conseguirmos avaliar os erros alheios, tínhamos a responsabilidade de não incorrermos em falhas similares.
Até hoje, a despeito de toda nossa evolução, não conseguimos.

Pensar que estava tudo na nossa mão, que bastava quem de direito tomar posicionamentos corretos (¡bastava querer!), é realmente decepcionante.


Tenho aqui comigo os documentos da suspensão que tomei de 7 dias no serviço justamente por tentar, dentro das minhas limitações, melhorar o mundo em que vivo.


Esta pessoa olhando da popa, poderia ser a minha sobrinha e afilhada, Lara.
Se for ela, e o mundo em que ela estiver for melhor, vou mostrar este documento, e dizer que ela colhe a luta que eu e outros bravos e íntegros travaram – e que ela deve honrar esta luta.
Por outro lado, se o mundo continuar esta merda que está, eu também vou mostrar o documento a ela – e direi que eu não me eximi, que eu não me acovardei, que a despeito de todas as dificuldades enfrentadas, eu não escolhi o caminho mais fácil – e sim o que acredito correto.
Poderei até ser derrotado pela história, mas direi a ela que eu fiz o que pude – e quando me despedir do mundo dos homens, descansarei com a impressão de que cumpri meu papel, acreditando ter feito o suficiente para dormir através da eternidade o sono dos justos.