quarta-feira, 18 de maio de 2011

Mapas do anti-tesouro

Uma das antinomias mais fundamentais de nosso tempo é que a maioria das pessoas leva a vida de maneira a não pensar sobre a própria vida. Não pensamos no porquê de sermos submetidos a tudo que estamos passando, a todas as mazelas diárias que nos recaem sobre os ombros, sobre como chegamos aqui, e o que deveríamos fazer para abandonar este lastimável estado. Ou, quando muito, somos motivados somente a pensamentos frugais, insípidos e inconsequentes sobre nossos problemas. Quiçá seja por problemas políticos, tais como: a pobreza, o sistema educacional público, a violência, o trânsito, os governos, a concentração de poder econômico, político, ou militar; o trabalho, os impostos, a sustentabilidade socioambiental, a real participação - e condução - por parte do povo de seus interesses (ao que se chama democracia), os movimentos sociais, as moradias, a eficiência e justiça do sistema judiciário, etc. Ou a problemas mais pessoais: amizade, distância, respeito, amores e os falsos amores, Deus & religiões, família, esperança, destino, resiliência, etc. Sempre somos condicionados a refletir de maneira obliterada, não dando o passo seguinte para chegarmos ao cerne do que nos estorva.
Àqueles que pensam, àqueles que ainda se dedicam a gastar seu tempo e humor com estes problemas, acabam, na maioria das vezes, divagando sobre o evanescente da questão. Pegue-se o exemplo dos impostos. Claro, todo mundo reclama que paga muito, eu também não estou feliz com tal situação. Porém, é uma reclamação em si mesma inócua: há de se dar o salto seguinte e ver para onde a grande soma de impostos arrecadados esta sendo direcionada – porque, obviamente, é este grande gasto que gera a necessidade de uma grande arrecadação. Podemos ficar com o discurso (condicionado e) burro de que nossos impostos vão para a corrupção. Ela evidentemente existe, mas não é responsável por tamanha arrecadação.
O problema dos impostos tem principalmente duas fontes. A primeira é o “carinhoso” atendimento aos rentistas, que consomem com os juros da dívida pública 1/3 da arrecadação do governo. Isto para sequer conseguir pagar os juros da dívida. Aí, não há impostos que bastem, se 1/3 deles não pagam sequer os juros de um único gasto.
A segunda fonte de escoamento de nosso suado dinheiro através dos impostos se dá através da malversação dos recursos, no desperdício, na indolência. Por exemplo, àqueles mil funcionários públicos existentes numa universidade onde necessitariam quinhentos. ¿Metade deles deveria ser despedida? Não, deveria atender outro campus de mesmas proporções, atendendo o dobro dos alunos atuais. Trabalho há, necessidades há, há muito que construir, que obrar – é só aplicar onde se necessita.
¿Por que, poderia se perguntar, estes dois assuntos não são resolvidos? ¿Por que a imprensa, os atores sociais, os governos não conseguem resolver estas insistentes pendências?
Por um lado, não resolvem porque dá muito trabalho verificar em qual local a dedicação no trabalho dos funcionários públicos é correta e exemplar – e várias vezes, a despeito de todo esforço, ainda não conseguem dar cabo do trabalho que lhes é atribuído devido às precárias condições a que são submetidas – daquele outro grupo infeliz que não cumpre com suas responsabilidades. Dá trabalho diferenciar o joio do trigo, então, jogam todos no mesmo balaio.
Por outro lado, os juros e os gastos com a dívida não são o que deveriam, porque quem de fato manda no país é uma plutocracia rentista que não deixa seus interesses serem obstados com a atual correlação de forças da sociedade brasileira – sendo grande parte da imprensa o braço mais extenso e nocivo desta elite maldita.

Pois bem, mas não era sobre os temas nefastos, nem sobre as causas falsas e as reais de nossos problemas que eu gostaria de debater neste escrito.

Como são muitos os interesses, muita lama para todo lado, muitas discussões, muitas acusações e pouco progresso, o que calha é que a maioria das pessoas simplesmente ignora tudo, e deixa de pensar nos principais temas que grassam na sociedade.
Vão pensar em pagar a conta do fim do mês, como conseguirão mudar de carro, se conseguirão mudar para um bairro melhor, se conseguirão aquele emprego ou a sonhada promoção, se conseguirão passar no vestibular, etc., sem pensar no que de fato importa, sem pensar em como chegamos todos neste estado deplorável que estamos. As pessoas vão tentando resolver sozinhas problemas que são coletivos. Todos querem “subir na vida”, mas conforme as coisas se dão hoje, esta conta não bate.
Afora o fato de o planeta não resistir que todos consumam muito – então a solução seria, pra começo de conversa, que os que mais consomem reduzissem seus desperdícios, de modo que os paupérrimos pudessem elevar seu nível de conforto, gerando uma média adequada, sem destruir de vez a natureza. Mas não, vamos todos à guerra (cada um do seu jeito), querendo mais e mais.
E, mesmo dentro deste conceito de querer mais, ¿como todo mundo vai subir, se a ponta da pirâmide é estrita? Nem todos conseguirão se “dar bem”, se quem esta no topo mutila – com uma katana mais do que afiada – as cabeças dos que desejam tirar dos abastados o quinhão que é de direito dos mais humildes e, se quem esta embaixo, ao invés de cumprir com sua responsabilidade, ao invés de tocar fogo, de implodir este Titanic apodrecido, ao contrário, só faz de tudo é para sentar na primeira classe dele... De fato, estamos perdidos.
E o navio continua afundando.


Mudando radicalmente a visão sobre o mesmo assunto, abandonando momentaneamente o materialismo, podemos também observar que esta busca, praticamente qualquer busca que as pessoas fazem, é fundamentada em valores equivocados.
¿Quais são estas buscas? Infelizmente, os valores de fato estão presentes no núcleo da vida das pessoas. Mas os valores monetários.
Eu tenho que estudar, eu tenho que trabalhar, me portar de certo modo, suprimir o que sinto, repreender quem expressa o que pensa, enfim, praticamente deixar de ser humano e passar a ser um autômato. ¿E pra que isto tudo? No fim das contas, tudo pra ganhar dinheiro.
Estudar para ter o melhor emprego – não para crescer como pessoa, aprender sobre o que nos rodeia, aprender a dizer não e dizer sim, a olhar para o lado, aprender a querer aprender.
Trabalhar para sustentar você e os seus da maneira mais luxuosa e suntuosa que consiga (a começar pelo carro) – e não ter um trabalho que te realize, não para deixar uma obra aqui na terra que faça sua vida ter valido a pena.
Portar-se de certo modo, porque é isso o que as pessoas esperam de você (a começar pelos próprios familiares e amigos) – qualquer coisa que puxe para o outro lado pode pegar mal para sua vida, pode ser mal avaliado, mal quisto, mal interpretado, etc., e isto pode trazer consequências danosas para seu futuro.
Suprimir o que sente, repreender quem diz o que pensa – se eu tenho é que ganhar dinheiro para poder ter coisas, consumir, comprar, gastar, é evidente que eu não poderei buscar prioritariamente a minha satisfação nos meus relacionamentos, terei de buscar o dinheiro para chegar a tal satisfação – e as relações, todas elas, até mesmo um casamento, acabam se tornando relações burguesas. Afinal de contas, ¿quem, dentre outros fatores, não considera a condição financeira do parceiro que vai escolher para toda a vida? Avaliemos com isenção: ¿Tem cabimento uma coisa dessas? Nós considerarmos de maneira significativa para nossa felicidade não só o amor, o carinho, a dedicação, o respeito, a entrega, o apoio, mas, como um dos itens mais significativos, a condição financeira que aquele parceiro pode nos proporcionar. ¿Não é uma especie de prostituição?

Sem analisar refletidamente, apenas seguindo de maneira burra, aleatória, feito um porco que caminha olhando para o chão, sem parar pra pensar, as pessoas vão construindo suas vidas com um foco bastante obtuso: não é a sua própria felicidade que buscam, mas a arrecadação de dinheiro – que lhe acarretaria a almejada felicidade.
Não escrevo para deplorar o desejo de se ter mais conforto. O que ocorre é que, não temos aquilo que merecemos ter porque há uma porra de uma elite daninha levando nosso pedaço do bolo, deixando-nos ingratas migalhas. E, por outro lado, não somos tão felizes quanto podemos porque buscamos somente o dinheiro, e não a felicidade em si. Não atingimos nem uma coisa, nem outra.
Não é à toa que as pessoas estão sempre correndo atrás de algo, nunca satisfeitas, nunca em paz, nunca as coisas que possuem são suficientes. E, pasmem, a felicidade, que deveria ser o objetivo de uma vida, nunca é alcançada, pois não há descanso.
Um exemplo que posso citar é aquela pessoa que se priva intensamente para juntar dinheiro e comprar um belo carro novo. Porém, assim que ela saiu da concessionária, esta pessoa na verdade já tem um carro usado. E então, menos de um ano depois já esta querendo outro, mais moderno, mais potente, mais bonito. E esta angústia do ter, esta necessidade de sua vaidade ser preenchida de alguma forma material não se sacia nunca, posto que sempre há algo melhor a ser adquirido. Como bem li certa vez, novidade é aquilo que não envelhece, como a beleza de uma montanha ou de um pôr-do-sol.
Outro exemplo é o daquela pessoa que trabalha o ano inteiro, engolindo todos os sapos possíveis, esporros, cobranças, falatório, concorrência desleal de seus pares – que atravessam, pasmem, os mesmos problemas, e ao invés de se unirem, atacam-se mutuamente –, se esforça de segunda à sexta feito uma mula, ainda demorando a chegar em casa por causa – afora a extensa carga horária do trabalho – de um trânsito desgraçado, e, ¿o que faz com todo seu suado recurso que conseguiu juntar? Compra um carro - pra ficar praguejando deste mesmo trânsito - ou faz uma viagem ao exterior que dura cinco dias.
Tudo que fez, tanto tempo desperdiçado, tanto esforço, tanta entrega, tanta raiva passada, para que se consiga – de fato – viver apenas durante cinco dias em um ano inteiro.
¿É triste, não?

Então posso perguntar: ¿este caos em que estamos é uma causa da falta do pensar, ou uma consequência? ¿Como poderíamos nos livrar destas âncoras que nos afundam? ¿A quem pedir socorro, se os céus respondem com seu inexorável mutismo? Não sei, não tenho estas e tantas outras respostas, o que apenas realmente consigo fazer é observar o que me rodeia, olhar sem fechar os olhos, sem me omitir, sem me perverter, sem deixar de tentar fazer aquilo que julgo – dentro de minhas severas limitações – correto. Sei que penso um tanto, e da minha parte digo que dói bastante.

Há muitos buracos no casco e apodrecimento das estruturas do barco em que vamos indo. Há muitas âncoras e poucas velas. Não vejo bóias ou colete salva-vidas. E a água que entra pelo Titanic já ultrapassou meu nariz faz tempo.

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