terça-feira, 25 de agosto de 2015

Sina(l) dos tempos

     Quando eu era (oficialmente) criança, a escola onde estudava arquitetou um esquema de recompensa muito interessante. Quando os alunos terminavam seus exercícios ou suas provas e tinham algum tempo livre enquanto os outros ainda faziam suas atividades, todos podiam ir ao fundo da turma, escolher um dos vários livros ao nosso dispor, e lê-los.
     Esses livros eram levados por nós mesmos, e como cada estudante levava alguns, a soma gerava uma bela quantidade. Esta atitude gerava um vínculo muito interessante com a literatura, pois, o prêmio por termos terminado nossos exercícios antes dos demais era podermos ler. E os alunos acabavam desejando ler todas as obras que lá estavam. Não era uma obrigação, não era um castigo, não era uma dificuldade como habitualmente as crianças são levadas a literatura: ler era uma retribuição, um bônus, uma recompensa que conquistávamos – na raça.
   Não sei bem a forma e a intensidade com que estes fatos demudaram a vida dos outros alunos, tampouco sei se foi esse o motivo de ter me tornado um ávido leitor. Creio mesmo que não, simplesmente porquê, de modo geral, quase nenhuma grande ação ou grande decisão na vida poderia ser oriunda de apenas um ato ou gesto em certo momento de nossa história. Creio que a soma de diversos fatores possa construir um bom leitor (a pré-disposição, o acesso a – bons – livros, o exemplo, a disciplina, a inserção da literatura de maneira prazerosa, etc.). O mesmo vale para um bom cristão, um bom profissional, um bom pai, um bom professor/aluno, um bom amigo, etc.: são múltiplos elementos que podem levá-lo a agir da maneira esperada e desejada e não apenas uma única e especial “conversão” no meio do caminho. Até porque é de praxe que, independente das escolhas que façamos na vida, as estradas costumam ser sinuosas e em algum momento acabemos por tropeçar. Sendo variadas as causas que nos levaram naquele caminho, em alguma poderemos nos agarrar mais fortemente para retomarmos nosso destino. Se é apenas uma, muito especial e intensa, pode ser justamente (uma decepção com) ela que nos fez tombar. Daí não conseguiremos nos reerguer.
     De qualquer maneira paro por aqui, para não divagar em apartes – já os basta na linha principal do texto.
     Na verdade lembrei-me destas antigas reminiscências porquê fiquei ciente que algo similar ocorre na escola de minha sobrinha. Os alunos também são premiados quando acabam mais rapidamente suas atividades antes dos demais. Porém, quando têm tempo livre dentro de sala de aula, a recompensa dada a eles não é poderem ler um livro: neste momento é facultado aos estudantes a utilização de seus venerados celulares.
     Sina(l) dos tempos.

     Aqui seria o momento em que deveria se iniciar aquela enfadonha e exaustiva lição moralista, exaltando a diferença daquilo que vivi em minha (supostamente) bela infância ante a degradação da mocidade atual. Mas não cairei nesta esparrela. Até porquê, como bem disse Jesus, a cada tempo basta o seu mal.