segunda-feira, 21 de junho de 2010

Aforismo LXXVI

Se um homem é inexoravelmente sentenciado ao inferno por cometer o suicídio, ¿os que o levaram a tal ato de desespero serão condenados ao que?

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Aforismo LXXV

Desconfie de quem só vem lhe trazer boas notícias.

Aforismo LXXIV

Casamentos, CPI's e guerras só têm data para começar.

Réquiem (O que vai e O que fica)

É atribuído à Heráclito de Éfeso o conceito de que não se entra duas vezes no mesmo rio.
Isto porque, ao se voltar para ele, a água que ali estava já mudou, a despeito de na aparência ele ser o mesmo.
Pois bem, o filósofo que nutria tal ideia tinha a ideia de que também somos como um rio. As coisas mudam, a despeito de parecerem as mesmas.
E quando li o último livro de Saramago, Caim, pensei que nem tudo muda. Passa a água, passam-se os dias, a terra cobre seu giro, as estações se esvaem, envelhecemos e... José de Souza Saramago prossegue sendo meu autor favorito – com alguma distância para os outros. Faça chuva, faça sol. Talvez seja a única pessoa que eu possa dizer, infantilmente: sou fã dele.
Eis que hoje o renomado autor se despede do mundo dos homens, aos 87 anos, completamente (barbaramente eu diria) lúcido e ainda escrevendo (digo escrevendo, e não trabalhando). Vai-se para minha tristeza, e, mesmo que não o saiba, vai e deixa aqui comigo, que escrevo estas singelas linhas, um naco de uma distante dor amarga e solidão intelectual, uma triste sensação de que a humanidade perde demasiado, e que não há ninguém a vista para compensá-la.
A verdade, é que ficamos sós. Intensamente sós.
De qualquer modo também fica uma vasta obra para quem tem bons olhos. Uma minoria os possui, não posso deixar de frisar.
Íntegro, inteligente, único Nobel de literatura para a língua portuguesa, dono de uma visão absurdamente clara sobre o mundo e sobre as relações humanas, comunista, ateu convicto, Saramago se vai.

Esta noite rezarei por ele – contrariando seus desejos.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Culturas e arquétipos

Como qualquer civilização de qualquer época, o conceito antropológico da cultura cristã ocidental nos impõe uma serie de limitações, mais ou menos explícitas conforme o caso.
E estas limitações existiriam e existem, em culturas diversas da nossa, como a nipônica, a russa, ou a muçulmana. Evidente que há muitas peculiaridades, quarks específicos dentro de universos em expansão, são muitas as especificidades que poderiam ser levantadas, incongruentes com a maioria reinante, mas há genéricas convergências que podemos elencar, mais ou menos facilmente, a depender do caso em que se avalia.
Fato é que, a despeito de serem diferentes entre si, as limitações e/ou normalidades existem dentro de cada universo cultural
Destarte, determinados padrões que julgamos ser de nosso gosto pessoal, muitas vezes nada mais são do que repetições que acabamos por assimilar com o passar do tempo.

Podemos enumerar casos famosos de elementos culturais que hoje soam como absurdos, mas eram corriqueiros outrora. Na cultura greco-romana, por exemplo, a forma como os relacionamentos amorosos aconteciam, o descarte de crianças especiais (!), o conceito matrimonial, a constância dos relacionamentos hetero e homossexuais, a maneira que lidavam com a morte, o incrível relacionamento com seus licenciosos deuses (de padrões comportamentais e instabilidade emocional dignos de uma novela mexicana), etc.
Tudo hoje nos é estranho, assim como no futuro, creio que parecerá bastante estranho o que fazemos atualmente para quem puder nos observar.
Aliás, não carece nem recorrer a algo tão serôdio para exemplificar, se avaliarmos detidamente alguns fatos que nos permeiam podemos detetar elementos curiosos que acabam nos passando despercebido justamente pela repetição cultural.
É muito estranho para um estrangeiro, por exemplo, o fato de nós, brasileiros, com raras exceções, comermos arroz e feijão todo santo dia – se é que os dias atuais são santos –, não enjoando nunca. Todo, e todo e todo dia arroz e feijão, variando os agregados tão somente.
¿Por que não enjoamos de tamanha repetição?
Porque essa é a nossa cultura, é o nosso arquétipo, entendamos como quisermos.


Pois bem, como já foi dito, dentro destes caldeirões de repetições e analogias, encontremos uma idiossincrasia que, mesmo dentro de uma cultura à qual eu deveria estar acostumado, não consigo me adaptar.
São as vestimentas do casamento como um todo.
Pensando bem, tentando avaliar com alguma isenção, assim como podemos conceber que nos alimentarmos da mesma comida todos os dias de fato é estranho, talvez consigamos imaginarmo-nos fora de nossa cultura e poderemos vislumbrar quão ridículas são as roupas que as pessoas utilizam nesta convenção social que é a cerimônia de casamento.
Vejam o vestido de uma noiva.
Pensemos bem.
¿O que é aquilo, gente, pelo amor de Deus?
¿Pra que cauda?
¿Pra que véu?
¿Por que branco?
¿Por que o símbolo da virgindade, num mundo em que sabemos que...?

¿Não é algo que vamos fazendo simplesmente porque antecedentes a nós fizeram também?
É uma tradição, compõe a nossa cultura, “pega mal” não fazer assim. ¿Mas será que é esta a maneira como devemos arquitetar nossas ações, baseando-as no passado, mesmo que equivocado e/ou nonsense?
Nem me deterei mais neste aspecto do vestido da noiva em si, para não provocar demasiado o público feminino.

¿E os homens, com seus ternos em nosso país tropical?
¿Fica bonito? Sim, fica, ¿mas faz sentido vestir-se assim, para suar a cântaros, empapando-se de suor enquanto a cerimônia ocorre na (normalmente abafada) igreja?
Aí os homens vão para a festa e lá tiram o terno, ficando trajados com uma roupa que é um meio termo sumamente interessante, pois nem estão bem arrumados mais sem o terno, tampouco estão com uma roupa confortável para a dança. Uma proeza.

Avaliemos mais detidamente as convidadas.
É evidente que uma mulher bem vestida, bem arrumada, fica mais bonita (dentro de nosso atual padrão de entendimento, é claro, sabendo que isto muda com o tempo, já que as mulheres mais gordinhas, outrora julgadas mais “fortes” para procriar, foram nosso padrão de beleza décadas atrás).
Porém, a forma como as mulheres vão para as festas de casamento – mesmo considerando o fato consabido de que as mulheres se vestem para outras mulheres – é muito estranho.
Inserem torrões de maquiagem na cara, cada penteado que mais parecem serem inspirados em algum animal selvagem africano, saltos altos elevadíssimos, que não bastassem serem esteticamente estranhos, ainda as impedem de andar (¿os calçados não deveriam ser auxílios à locomoção, e não estorvos?), e aí ficam dando aqueles ridículos passinhos curtíssimos e ainda escorando-se no parceiro para não desequilibrar. Afora os colares, tão vistosos que seriam capazes de ofuscar o mítico “coração do oceano”, aquela pedra azul utilizada pela personagem feminina de Titanic, dentre outros detalhes que me escapam agora.

Tentando avaliar com isenção, julgo que uma mulher que se arruma bem, consoante a nossa cultura, para um casamento, na verdade fica mais estranha, mais feia e mais atrapalhada que uma mulher simplesmente bem vestida que vai para um evento com seu namorado, por exemplo.

Talvez seja difícil assimilar uma ideia extemporânea destas, mas se considerarmos com a devida distância, encontraremos muitas outras estranhezas ao nosso redor.
Está certo, estamos tão acostumados que já seria até estranho imaginar as mulheres produzindo-se para o casamento de maneira diferente do atual. Mas que elas ficam estranhas, com certeza ficam...

Ah! Evidentemente, amanhã comerei o meu feijão com arroz.
Em paz.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Tragédia cansativa

Era jovem, impávido, o mundo nas mãos, pelo menos assim pensava. Na escola não havia destaque, ou até havia, negativo. Anos que se desperdiçaram, não ficava reprovado por causa da aprovação automática – sua “tábua de salvação”. Em outros tempos, estudaria com crianças bem mais jovens que ele – perdão, ele, claro, pode se julgar tudo, menos criança. Ao contrário. É esperto. Muito esperto.
Arruma uma galerinha, são seus grandes amigos, melhores amigos, neles confia decididamente.
Porque um começou, porque outro chamou e disse que era bom, arrisca a primeira entorpecente experiência, gosta, aprova, a vida passa a girar em torno disso. De qualquer modo, ele é o cara, quando quiser, pára. Quando tentar parar, porém, não vai conseguir.
Chega um momento, não distante, desiste de se enganar e abandona definitivamente as aulas.
Dia inteiro com a mesma galera, nenhum trabalha, poucos estudam. Quando o fazem, são em escolas absolutamente improfícuas destinadas a conformar futuros também demasiado improfícuos.
E aquela repetitiva tragédia começa a ocorrer: brigas com os parentes (refúgio na galera), ausência de perspectivas, falta de dinheiro para alimentar o vício, sumiço de pertences domésticos, furto, roubo, roubo a mão armada.
Como os elos da corrente se insinuam pelos seus pulsos de maneira mais sutil do que se pode imaginar, quando menos se percebe já se está inarredavelmente enclausurado por uma realidade, que aí consegue compreender, lhe é asfixiante. Já é tarde.
Sente falta, sente muita necessidade do que se acostumou a tomar, a fumar, a injetar, a cheirar. É-lhe irresistível. E é verdade, ele não está mentindo agora.
Os grilhões lhe rodearam, ele sente isso, sabe, quando reflete mais detidamente, que está indo numa direção errada. Mas tudo o faz voltar para isto. É um ímã, um ímã que lhe faz gravitar em torno de uma atmosfera corrompida, um ar viciado que ele não consegue deixar de respirar.
Ao mesmo tempo em que ama utilizar o que o narcotiza, odeia a dependência em si. E para aliviar este ódio da necessidade, só lhe resta o caminho mais fácil. Quando sente a dependência, aquela necessidade, aquela ânsia insuportável, aquela fissura, como eles gostam de dizer, só lhe resta um caminho: aplacá-la com mais veneno. E depender dele cada vez mais, num maldito ciclo sem fim.
Cada vez mais íntimo de seu contexto, segue a tendência dos homens: prosseguir adiante. E ousa mais, e se droga mais, e deve mais dinheiro, e se arrisca mais, e furta mais, e rouba mais descaradamente, e tudo o mais.
Seu grupo se reduz, um ou outro consegue se livrar. Fracos, merdas, quase traidores pensa em dizer, mas não vai tão longe. Ficam fora de sua área de influência, somem, eles já não são nada pra ele, vitupera o passado de tê-los julgado seus amigos.

Há de se reconhecer: não é difícil encontrar o caminho que se leva ao abismo. Difícil é sair dele.
Mérito há muito para quem contemplou as trevas e se recusou a nelas fazer moradia. E outro tipo de mérito, menos inteligente e mais intenso, há para aquele que ali esteve e conseguiu se livrar da mancha que lhe incrustava os poros.

E toda a intrepidez, toda a força que julgava possuir, toda esperteza, vai desaparecer em instantes, efêmera, falsa, fogo-fátuo que é.
Vem o destino ao seu encontro, como um trem com seu peso descomunal e seu ruído infernal.
Aqueles parentes (chatos, é “óbvio!”) tentaram avisá-lo, tentaram alterar sua trajetória, tentaram resgatá-lo, dentro de suas limitações fizeram o possível. Chega um momento, porém, em que percebem que não há escapatória, começam a se proteger mais, tentam voltar a priorizar suas próprias vidas. Ainda há esperança, tentam puxá-lo de volta, mas são sempre decepções e decepções.
Foi tudo em vão, não pode haver salvação para quem não quer se salvar, tampouco ao menos deixar-se ser salvo.
Em algum momento, estes mesmos parentes desistiram, e no seu íntimo, eventualmente, até mesmo torceram para que o fado viesse estender as suas garras e lhes livrar do que obsedava a sua vida. E como bem sabiam os gregos, nem mesmo o mais poderoso dos deuses podia lutar contra o destino.
E então ele se apresenta.
Contra toda a esperteza, toda a audácia, toda a segurança que ele carregava em si, eis que surge um singelo motoqueiro, não se sabe se lhe dirige uma derradeira frase, a última que levaria para o lugar (sabe-se lá onde) que se destina: dá-lhe um tiro no pescoço, e tudo o mais escorre pelo bueiro da ignorância.

O que pessoalmente mais me entristece não é nem tanto observar o tétrico fato da morte, do desperdício, em si. É, sim, vendo-o, me lembrar de outros tantos e tantos, similares, desesperadamente similares, e questionar para o meu imo: ¿Quantas vezes mais haverá esta cena de se repetir?
Parece uma burlesca novela qualquer, em que a história é sempre repetida, mudando apenas os personagens e um ou outro detalhe. Neste, por exemplo, novidade sádica que se destaca, o tiro ter atingido o pescoço.

É uma lástima. Uma lástima que cansa e machuca.