terça-feira, 30 de novembro de 2010

A revolução vazia

Durante o avanço do projeto genoma humano, tido como uma das maiores façanhas da humanidade, muito se falou a respeito da revolução na biologia e na medicina que seriam oriundos de sua conclusão, as curas para doenças terríveis, como o câncer, diabetes, dentre outros tantos feitos que dali viriam.
Pois bem, o projeto foi concluído em 2003.
Porém, até agora, só estamos esperando.

O barulho ensurdecedor

Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, logo em seu primeiro artigo vemos escrito:
Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
Infelizmente, não é verdade nem uma coisa nem outra.
Como bem disse Jean Jacques Rousseau, logo no início de seu livro mais famoso, O contrato social: “o homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros”.
Já quanto a igualdade em dignidade e direitos, cá estamos com outra quimera. Só vemos mais e mais desigualdade, mais e mais concentração de renda no mundo. Na década de 60, os 20% mais aquinhoados da humanidade eram trinta vezes mais ricos que os 20% mais humildes; na década de 90, a diferença entre os ricos e os desamparados havia subido para o dobro, sessenta vezes. Nos EUA a coisa é ainda mais grave. O 1% mais abastado possuía 9% da renda nacional nos anos 70. Hoje possuem 23,5% da renda total (e o Império ainda se assusta com a crise econômica que enfrenta).
Todo este grave quadro de injustiça social começa, para aquele que acabou de nascer, com a herança que receberá a partir daquele momento. No Brasil, bem como em diversas partes do mundo, o riquinho recebe o que há de melhor. Para o humilde, a escória que lhe cabe. Eles são iguais em dignidade e direitos, mas um terá um belo plano de saúde, o outro terá as filas e o atendimento precário do SUS. Um andará de carro com ar condicionado, o outro de ônibus lotado. Um herdará sua casa própria, o outro morará de aluguel, ou construirá sua residência numa favela ou periferia qualquer. Um estudará nas melhores instituições de ensino, o outro terá a sucata das escolas públicas como legado. Um estudará numa universidade federal (!), o outro sequer concluirá seus estudos. Um vai casar na igreja, vai ter festa, tudo certinho, o outro vai se “juntar” com sua mulher. Um vai ter um estritamente planejado casal de filhos com sua esposa, o outro vai ter quatro filhos de três mulheres diferentes, todos concebidos aleatoriamente. Os dois filhos premiados vão crescer e ter tudo aquilo que seu pai também teve. Os outros quatro também terão tudo aquilo que seu pai teve. Os dois primeiros vão ter bons empregos. Dos quatro últimos, um virará evangélico, uma trabalhará como atendente num shopping, um será motoboy, e um virará bandido e acabará sendo morto – pela polícia ou por seus comparsas.
No fim das contas, estes das famílias que tiveram tudo, não se darão conta de que possuem o que possuem não só por seus próprios méritos, mas simplesmente porque tiveram o acaso, o mero acaso de nascer em uma família com posses. Participaram de um jogo no qual já começaram vencedores. Não vão se tocar que diferentemente de outros, eles tiveram chances, puderam fazer escolhas, foram devidamente capacitados para obterem sucesso. E estes abastados, estes bons cristãos que toda semana vão a igreja pedir pelas suas almas e pela dos condenados, estes nascidos diferentes, estes herdeiros de oportunidades, estes com plano de saúde, boa (e gratuita) universidade, carro e casa própria, estes pequenos burgueses, do alto de sua pseudo-intelectualidade ainda terão a audácia de olhar para o programa bolsa-família com ódio, e com seu moralismo vazio bradar:
Isso é bolsa-esmola pra sustentar vagabundos!”.

Durma-se com um barulho desses.

P.S: já bem disseram que as duas substâncias mais comuns no universo são o hidrogênio e a estupidez. Não há como discordar – a não ser se descobrirem que o hidrogênio não é tão comum assim.


*: Clique aqui para ler a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
**: Clique aqui para ler mais trechos de “O contrato social”, de Jean Jacques Rousseau.

Da serie constatações

Muitas pessoas dizem que, se nascessem animais, gostariam de ser tigres, leões, cavalos, ursos, etc.
Bem, não sei ao certo qual animal eu gostaria de ser, acho que seria um gorila, pela brutalidade, pela posição hierárquica na cadeia alimentar, por ser um dos animais mais inteligentes e próximos de diversas maneiras do homem.
Porém, se não estou certo do animal que gostaria de ser, tenho convicção daquele que não gostaria de ser.
Eu não gostaria de ser uma ave de rapina brasileira.
Mais especificamente, eu não gostaria de ser um tucano.

Aferindo os antagonistas

28 milhões de pessoas abandonaram a linha de pobreza durante o governo Lula, em um esforço oriundo muito mais da ideologia do governo do que pela pressão dos (de)formadores de opinião que compõe parte da imprensa nativa.
Para efeito de comparação, nos 8 anos anteriores, foram dois milhões que abandonaram tal deplorável estado.

Toda vez que escuto alguns áulicos do capital escrevem defendendo a democracia – escrevendo, claro, em veículos jornalísticos que clamaram pelo golpe militar, que apoiaram a ditadura, que suprimiram de suas páginas as torturas, a repressão, o endividamento, as obras faraônicas, o venha-a-nós, o “aos amigos tudo, aos inimigos a lei (?)”, etc. –, penso comigo, como alguém que passa fome, ou que mal consegue subsistir, pessoas que todo e todo e todo mês passam grandes dificuldades financeiras, privações da ordem mais diversa, humilhações e carências inimagináveis – a não ser por quem passa – penso comigo, ¿que diferença para esta pessoa faz o regime político que se apresenta diante dela? Pode-se inferir, que o que lhe importa é o seu sustento, a política é algo distante, o regime político lhe é indiferente, a possibilidade de poder viajar para qualquer parte do mundo é inútil, a facilidade de comunicação não lhe ajuda em nada, o poder de protestar não se lhe apresenta como uma possibilidade, a defesa do meio ambiente é uma frivolidade, a honestidade pode ficar em segundo plano ante a própria subsistência, o progresso tecnológico não lhe auxilia, a literatura e o conhecimento são coisas inacessíveis, tudo o que a modernidade e a evolução da ciência puderam dispor lhe são improfícuos.
Em outros termos, não há liberdade para quem é privado de condições financeiras mínimas.
Porém, o que se vê é a mesma pessoa que – supostamente – defende a democracia não gastar uma mísera linha para tratar dos desvalidos.

Mais de 10 milhões de brasileiros ainda estão abaixo da linha da pobreza, o que é extremamente revoltante, dado o grau de evolução tecnológica e científica da sociedade.

E esta fome que grassa é uma maneira inequívoca de se aferir a integridade de um jornalista ou do veículo que ele representa. O cálculo é o seguinte:
Enumere a quantidade de vezes que eles tratam a respeito da necessidade de amparar estes desvalidos.
Enumere também a quantidade de vezes que eles falam a respeito da necessidade da diminuição dos juros da dívida no país, que consomem mais de um terço das finanças governamentais (apenas para enxugar gelo, dado que devido a sua alta taxa, o governo não consegue abater a dívida propriamente, apenas paga – parte – dos juros da mesma).
Agora, compare com a quantidade de vezes que pregaram a diminuição dos gastos públicos (ou seja, gastos com saúde, políticas sociais, defesa, meio-ambiente, etc.).

E aí temos um método de aferição altamente preciso para se avaliar a integridade daqueles que nos escrevem.
Conseguimos comparar suas preocupações, de um lado, com os mais carentes e com a tenebrosa doação bilionária de dinheiro para os rentistas, e do outro, com o suposto elixir, a pseudo-panaceia de nosso país que seria a diminuição dos gastos públicos.
Pondo os pingos nos is: esta é uma linha cristalina que divide uns e outros.
Já escolhi meu lado – e ele é evidente.
E é bom que fique bem exposto que não há como ficar no meio, não há como defender tudo, não há como dizer que defende a redução dos gastos públicos concomitantemente a mitigação da pobreza: são coisas excludentes.
Bem, os dois caminhos estão delimitados, cabe a cada um decidir qual seguirá.
A pior escolha, porém, é permanecer alheio.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

As fontes

Lendo diversos escritos de filosofia/sociologia ao longo do tempo, muitas vezes observo autores citando Hobbes, Nietzsche e Platão como fontes.

Bem, creio que o mérito de Platão seja o de escrever lá nos primórdios, fundando bases até então inexistentes da filosofia. Porém, hoje, a maior parte de seus escritos são anacrônicos, e posso mesmo dizer que é impressionante que tenham sobrevivido até os dias atuais (simplesmente porque não possuem tanta qualidade assim).
A caverna de José Saramago, por exemplo, remete a ideia exposta no livro A república do autor grego. O impressionante é que a obra do escritor português é muito melhor do que o livro de onde partiu a ideia inspiradora do título.

Há um conceito um tanto quanto estulto de se recorrer aos sábios de muito antigamente, como suposta fonte de sabedoria e cultura inexistentes em nossos dias atuais.
A priori deve se começar dizendo que nossa época atual é a que mais acumulou conhecimento, temos uma quantidade muito maior de informações e diversos autores que – já tendo como base os muitos autores que os precederam – começam seus escritos de um ponto muito mais avançado que os autores antigos.
O discípulo mais famoso de Platão, Aristóteles, um homem com um bom senso extraordinário, como destaca Umberto Eco no livro Previsões*, já fez claras críticas a obra de seu mestre. A partir daquele momento, um leitor ou um escritor que tivesse lido os dois, já partiria de ponto mais avançado que o do próprio Platão, que não pôde sequer conhecer toda a crítica feita a sua obra por seu próprio discípulo.
Em outros termos: não é pelo fato de uma coisa ser muito antiga, que ela é necessariamente boa.
Não digo que todo seu material escrito deva ser desprezado, ao contrário. Há, sim, boas ideias em seus textos, rememoro-me de um adágio particularmente feliz: só os mortos conhecem o fim da guerra. Porém, julgo que este exagero de tamanha quantidade de citações vem única e exclusivamente do fato dele ser um autor antigo, e por isto, considerado basilar – o que é um erro.
É evidente que há seres geniais de outrora que dificilmente serão superados, como Michelangelo, Aleijadinho ou Leonardo da Vinci. Peguemos o caso do próprio Da Vinci, que explicitará bem o que quero dizer. A beleza de suas pinturas são eternas, dado que a técnica da pintura daquela época para a de agora pouco evoluiu, e seus quadros estão dentre os melhores de todos os tempos – e permanecerão assim, creio que para sempre. Porém, suas numerosas ideias de inventos estão todas ultrapassadas. Admiramos, claro, a genialidade da pessoa que pôde imaginar coisas, das mais diversas, do pára-quedas a um escafandro, da asa delta a um tanque de guerra, mas é um sentimento com um fim em si mesmo. Suas ideias não cabem mais.
O mesmo ocorre, infelizmente, com Marx. Muitas de suas ideias são inaplicáveis hoje em dia (faltou um gênio similar ao dele para atualizar sua obra com o mundo de nossa atualidade). Grande parte de suas ideias ainda possui validade, claro, mas a base de fatos sobre a qual ele fundou o comunismo se alterou, e hoje carecemos de uma nova visão da forma como este sistema deveria ser aplicado ao mundo, de como o comunismo reagiria, por exemplo, à sociedade de consumo (Georges Burdeau em seu livro “O Estado”** postula bem este problema).

Voltando ainda a Platão, ainda há mais um problema a ser considerado. Observando as ideias de inventos de Da Vinci, apesar de elas já estarem ultrapassadas, nós conseguimos admirá-las, devido a genialidade das mesmas, bem como as ideias de Marx para seu tempo. Porém, não consigo sentir o mesmo para com Platão, posto que não vejo tal genialidade.
Platão teve oportunidades de administrar cidades consoante suas ideias, e fracassou fragorosamente em todas elas.
Não digo que ele seja um beócio a ser desprezado, só afirmo que ele esta longe de ser o gênio que alguns pensam que é: parece-me muito mais um fetiche de ficar citando quem escreveu há mais de dois mil e quinhentos anos.


Thomas Hobbes. Sua obra mais famosa é “Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil***”. Ler este livro é tarefa das mais árduas, demanda um esforço sobrenatural para concluí-lo.
O livro possui até algumas boas ideias, como a citada abaixo:
“O que imaginarmos será finito. Portanto não existe qualquer idéia, ou concepção de algo que possamos denominar infinito. Nenhum homem pode ter em seu espírito uma imagem de magnitude infinita, nem conceber uma velocidade infinita, um tempo infinito, ou uma força infinita, ou um poder infinito. Quando dizemos que alguma coisa é infinita, queremos apenas dizer que não somos capazes de conceber os limites e fronteiras da coisa designada, não tendo concepção da coisa, mas de nossa própria incapacidade”.

Porém, creio que em mais ou menos 90% das suas centenas e centenas de páginas, deseja-se explicar que, na verdade um Rei é Deus na terra. Qualquer contestação a ele seria uma afronta a Deus e aos homens. Um Rei pode tudo. Tudo que ele faz é para o bem dos homens. Mesmo uma inequivocamente deplorável atitude sua, mesmo quando tudo prova que ele esta agindo errado, há alguma explicação para tal atitude – ele jamais erra.
Julgo que só há uma explicação para tamanha perda de tempo: Hobbes era uma pessoa que desejava um cargo na corte ou algo assim. Um bajulador, um servil, um adulador, um baba-ovo, mesmo, em resumo.

Calhou que seu escrito se deu justamente numa época em que o parlamento inglês estendia sua influência e que o despotismo monárquico (que ele insistentemente defende) ia perdendo força. No fim da vida foi ficando cada vez mais esclerosado, atacado por todos os lados – mas o rei, claro, o defendia. Não podia ser diferente, com um cartapácio que é quase uma ode ao puxa-saquismo universal, o adulador de reis teve na coroa sua defesa derradeira.
No século passado, serviu sobremaneira como inspiração para os fascistas de diversos países.
Não podia ser diferente.


Por fim, vamos a Friedrich Nietzsche, o anunciador de verdades, o criador de frases de efeito. Sua dita obra-prima, “Assim falou Zaratustra” não possui nenhuma coerência em seu texto. Ao contrário, o livro é escrito para que seus axiomas soltos se encaixem em algum lugar. Como as frases não possuem muita conexão entre si, ele vai tentando inserir um contexto para o qual elas possam ter algum sentido. De fato era uma tarefa hercúlea, e diferentemente de Hércules, o super-homem de lá não consegue dar cabo delas.

Nietzsche escreve da maneira mais hermética que pode. O resultado é que é necessário um significativo esforço para compreender seus escritos. O leitor, então, se esforça, porém, quando vai assimilando o que o autor está querendo lhe dizer, de fato, o desapontamento é inevitável, posto que a forma com que ele escreve é requintada, mas seu conteúdo é fraquíssimo. Há muito mais virulência na defesa de suas ideias do que genialidade. É como entrar numa casa onde a fachada é lindíssima, e ao atravessar a porta, observar que o interior é vazio.
Nietzsche, claro, também é um conservador nato, conseguia ser fascista numa época em que ainda não existia o fascismo, um crítico da Revolução Francesa, um escritor que em seu tempo foi sumariamente desprezado – e eu sempre tenho grande receio para com estes artistas ditos “incompreendidos” pelo seu tempo. Nietzsche não agrega nada, e o fato de ter enlouquecido no fim da vida não deveria ser motivo para ele parar de escrever, dado que sempre escreveu para os débeis.


* Para ler trechos selecionados de “Previsões” clique aqui.
** Para ler trechos selecionados de “O Estado” clique aqui.
*** Para ler trechos selecionados de “Leviatã” clique aqui.

Da serie constatações

Numa grande cidade, uma das condições cruciais para se ter qualidade de vida é morar perto de onde se trabalha/estuda.
E, mesmo morando perto, apenas o primeiro passo esta dado. Morando-se longe das suas atividades habituais, é muito grande a probabilidade de a pessoa viver mal.
O que resta é tentar remendar nas outras coisas.
Não sei se da muito certo – mas também não da pra desistir.

domingo, 14 de novembro de 2010

Uma das proezas

Todas as vezes que observo filmes antigos – como os bíblicos, por exemplo – e vejo seus personagens vestirem-se com bonitas, simples e arejadas túnicas, eu me espanto com a incrível capacidade do homem. Espanto-me porque mais de dois mil anos depois, com seus ternos, suas gravatas e seus jeans, os homens conseguem a proeza de se vestir de maneira mais feia, mais quente, mais apertada e mais desconfortável.

É realmente uma façanha.

O que diria Darwin de amanha evolução...

Tropa de Elite (se o político rouba...)

O primeiro filme tropa de elite foi acusado por muitos de ser um filme fascista, promotor da violência desmesurada, justificador de execuções policiais, etc. Muitas destas críticas vieram do espectro político da esquerda, porém, eu não concordava com elas, dado que não me parecia propriamente uma apologia de métodos policiais mais agressivos, e sim sua constatação.
O diretor do filme, José Padilha, dentre outros, já havia lançado duas películas que passaram desapercebidas pela maioria das pessoas que o criticava, uma denominada Fome, onde discorre sobre a trajetória de uma família mineira e a forma como sua miserabilidade a afeta em seu cotidiano, e o documentário Ônibus 174, sobre o sequestro do referido ônibus por Sandro do Nascimento, o “Mancha”, o execrado bandido, àquele, que o pai abandonou a mãe quando soube que ela estava grávida dele, que viu a mãe ser assassinada na favela onde morava, que foi morar então, na rua; que se viciou em drogas, que dormia na Candelária e não foi morto naquela chacina por puro acaso, que era analfabeto, que sequestrou o veículo e assassinou uma professora grávida durante sua ação – e, como é consabido, acabou sendo executado pela polícia no caminho para a delegacia.
Estes dois filmes, a despeito do pequeno público que então obtiveram, ao contrário de tropa de elite, atraiu críticas da direita.
Creio que quando uma pessoa consegue desagradar os dois lados do espectro político sem ser niilista, há de se dar um valor ao que se está sendo dito. Ponto para o Padilha.

O segundo filme tropa de elite é muito mais bem feito que o primeiro: a produção, o roteiro mais cerebral, todo o filme é melhor, mas não é por isto que aqui escrevo. A película tenta, de maneira mais clara que o antecedente, elucidar as origens da criminalidade – e vai longe.

Relembro de um conceito do Mino Carta: “¿o que seria do crime carioca se não fosse a polícia carioca?”. Em outros termos, o crime imiscuiu-se junto a polícia de maneira tão carnal, tão intensa, que não sobreviveria sem a polícia. Depende da sua da anuência, da sua omissão, da sua corrupção, da facilitação por parte da força combativa do estado para que ele possa ocorrer em (santa) paz – e até para ajudar no combate a determinados inimigos.
Os trechos em que o filme se debruça sobre as milícias, por exemplo, são fenomenais (abro um parêntese para dizer que as milícias são a prova inequívoca de que o crime no Rio de Janeiro não é tão difícil assim de ser resolvido, basta querer – se os milicianos conseguem tomar conta dos morros, ¿por que a polícia não o faz?).
O filme também mostra a ligação de políticos estaduais com o crime – de maneira mais intensa alguns deputados, de maneira mais “sombreada” o governador Molequinho.
Porém, no fim do filme, mostra-se um deputado federal que também fora ligado ao crime no estado do RJ e conseguiu ser eleito no pleito federal, e apresenta Brasília (mais especificamente o congresso nacional) como a própria fonte originária das mazelas da criminalidade.

É bastante extensa a crítica que se poderia fazer a este trecho. Decerto que os deputados não contribuem para a resolução (na parte que lhes cabe) do problema da segurança pública. Creio eu – com minhas limitações – que a maior contribuição que os deputados e senadores poderiam dar seria a simplificação da aplicação das leis brasileiras, a diminuição dos mil e um recursos que advogados espertos conseguem impetrar para protelar decisões judiciais, que fazem com que, por exemplo, Pimenta Neves, o ex-diretor do jornal O Estado de São Paulo e assassino confesso da jornalista Sandra Gomide (para ler sobre este crime aconselho a bela obra “O voo da rainha”, do já falecido escritor argentino Tomás Eloy Martinez), permaneça impune anos e mais anos, ou mesmo que um Maluf da vida prossiga por aí, jactando-se de santo ainda por cima (dentro do Brasil, porque se pisar fora será preso pela Interpol).
São contribuições significativas (e existem outras inúmeras, evidentemente, como a polêmica redução da maioridade penal para crimes hediondos) que o congresso poderia realizar, mas devido à sua imobilidade característica, não o faz.
Daí a justificar que o crime no Brasil tenha como origem Brasília ou o congresso nacional, lá vai uma grande distância.

Creio que neste aspecto o filme apela para o aspecto moralista fortemente reinante na sociedade brasileira – fato evidenciado nas últimas eleições. Apela para a origem de todos os problemas do Brasil como sendo originário dos corruptos, ladrões e safados que estão em Brasília. Eles existem lá, não tenho dúvida, porém não creio que sejam todos, aliás, nem que sejam a maioria.
Bem, por já ter morado no Rio de Janeiro, diversas vezes observei esta especie de “abstração imaginária” que Brasília representa para aquele estado – fator agravado, creio eu, pelo fato do governador Molequinho vincular os problemas daquele rico estado a suposta falta de apoio do governo federal – este referido governador não conseguia sequer atravessar a rua sozinho, necessitava de apoio do governo federal para fazê-lo.
Parece que todos os problemas do mundo se resolveriam num estalar de dedos se Brasília quisesse resolvê-los. Muitas vezes ouvi lá, também, que se a capital não tivesse sido transferida para o centro do Brasil, que se ainda fosse no Rio de Janeiro, as coisas seriam diferentes, que eles pressionariam mais, que os políticos realizariam mais, até por medo da população enfrentá-los.
Devagar com o andor, meu amor.
Creio, sim, que há um excesso de poder (e lobby, por conseguinte) concentrado em Brasília. Porém, também há um excesso de poder concentrado no Rio de Janeiro (basta lembrar, por exemplo, que 80% da marinha brasileira esta situada no RJ – pode-se afirmar que o Brasil não possui marinha, apenas o RJ a possui).
Se a capacidade crítica e mobilizadora do estado fluminense fosse assim tão significativa, eles não teriam elegido o próprio Molequinho como governador, e pior, eleito depois sua esposa para seguir desgovernando o estado. Se esta capacidade de movimentar os políticos, de protestar, de pressionar fosse assim tão elevada, os Maias da vida não teriam ficado tantos anos na prefeitura da capital, tampouco seu filhote teria vez na política. Também Eduardo Cunha (esta chaga maldita) não seria reeleito tantas vezes deputado federal, e o poder público não teria deteriorado a tal ponto de permitir que a cidade ornada de tantas belezas naturais hoje se encontrasse suja, velha e fétida.
Não faço esta crítica com vistas a caluniar a porta do Brasil que é o Rio de Janeiro, muito ao contrário. O estado do Espírito Santo vive o mesmo problema – tanto lá como cá já foi pior, friso –, elegeu políticos impressionantemente ruins: José (“tem que rapar o tacho”) Ignácio, José Carlos Gratz e seus 30 otários, José Carlos da Fonseca Júnior, Élcio Álvares, dentre outros tantos. Nas próprias eleições presidenciais, por exemplo, ¡no Espírito Santo José Serra ganhou (por cerca de 1 ponto percentual, é verdade) de Dilma Roussef! É impressionante, claro. A despolitização é um mal que grassa no país - e o PT no poder não conseguiu combatê-la, ao contrário, agravou-a. Porém, seria bastante conveniente ficar de cá culpando tudo que acontece com o Espírito Santo como sendo de responsabilidade de Brasília: não é. Tampouco é verdade que todas as misérias reinantes em nosso país sejam oriundas da corrupção ativa – acho, ao contrário, que a maior parte da tragédia brasileira tenha como origem não aquilo que é corrupção ativa, clássica, mas sim a corrupção moral.
Façamos uma digressão recuando no tempo. O então presidente João Goulart apresentou no congresso e conseguiu fazer aprovar a lei de Remessa de Lucros. Esta lei obrigava o capital estrangeiro a expatriar, no máximo, 10% do capital que introduzissem no Brasil. O resto deveria ser reinvestido aqui – uma lei altamente nacionalista. Os militares pseudo-patriotas derrubaram o presidente constitucionalmente eleito. ¿E o que fizeram com a lei? Caçaram-na. Claro, uma das justificativas do golpe era para defender o país. Que “bela” ironia, ¿não?
Venhamos para caso mais recente, já da era neoliberal. Peguemos o caso do PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional), criado no governo FHC, assinado pelo então ministro do planejamento José Serra. Este programa visava salvar aqueles que não podem se dar mal: os banqueiros. Um exemplo significativo das benesses do programa é o caso do Banestado (que viria a ficar famoso também pelas CC-5), então banco estadual do Paraná, que recebeu 5,2 bilhões de reais do governo federal para ser “saneado”. Em seguida, o banco foi privatizado por 1,5 bilhões de reais, sendo que ainda tinha, afora o patrimônio original mais o aporte recebido, 1,6 bilhões de reais de crédito a receber (tudo em valores da época, hoje seria muito mais)
Esta obra prima de nossos queridos membros do PSDB não é corrupção, claro, longe disso. Não pra eles. (aliás, quantas vezes, nobre leitor, você já ouviu falar deste caso nos grandes veículos de comunicação?)
Nem me estenderei em falar sobre a doação da Companhia Vale do Rio Doce (clique aqui para ler mais sobre o assunto), que em poucos meses pagou o valor pelo qual foi privatizado. Outro caso clássico de corrupção moral.

Não é, em minha singela opinião, pelos desvios e roubos diversos que o Brasil (ainda) não é o país com o qual sonhamos. É sim por causa da corrupção moral que ainda não alcançamos o local onde deveríamos estar. As duas devem ser severamente combatidas, claro, mas uma é muito mais nociva, de efeitos muito mais amplos que a outra, não tenho dúvida nenhuma.
E ao se vincular a um moralismo mais venal, justificando tudo em Brasília de maneira generalizada, àquela corrupção clássica, o filme se presta a um desserviço, porque por um lado, não focaliza no inimigo mais contundente, e por outro, presta-se a justificativa para qualquer desvio moral dos demais cidadãos.
Em outros termos: quando nós ficamos a depositar em cima de TODOS os políticos as mazelas que ocorrem em nosso país, a vinculá-los todos à corrupção, à intriga, à safadeza e ao crime de maneira ampla, nós atentamos contra nós mesmos. ¿Por quê? É simples. Ora, se o político rouba, ¿por que eu não posso roubar também, levar aquele carro, aquela moto, limpar aquela casa? Se o político rouba,¿por que eu tenho que pagar imposto? Se o político rouba, ¿por que eu tenho que pagar multa de trânsito, não posso dar uma caixinha para o guarda? Se o político rouba, ¿por que não posso fumar um baseado? Se o político rouba, ¿por que eu que sou policial, não posso ganhar uma ajudinha pra complementar meu soldo ridículo? Se o político rouba, eu que sou juiz, ¿por que não posso vender uma sentença? Se o político rouba, eu que sou professor, ¿por que não posso aceitar esta molhada de mão do pai do aluno para passá-lo de ano? Se o político rouba, eu que sou dono de posto de gasolina ¿por que não posso batizar o combustível pra ganhar uma graninha a mais? Se o político rouba, eu que sou fornecedor do estado, ¿por que não posso entregar 90 unidades do produto de qualidade duvidosa quando me compraram 100 de boa qualidade? Se o político rouba, ¿por que eu, que sou dono de ferro velho, não posso furtar uma tampa de bueiro? Se o político rouba, ¿por que eu, que não tenho dinheiro pra comprar minha droga, não posso ir ali roubar o fio da empresa telefônica? Se o político rouba, ¿por que eu não posso pegar a internet ou a TV à cabo através de um “gato”? Se o político rouba, ¿por que eu, que sou flanelinha, não posso exigir o pagamento de dinheiro para “vigiar” um carro – e arranhar o veículo de quem se recusar a me pagar? Se o político rouba, ¿por que eu não vou dar preferência pra um conhecido meu, ao invés de dar para quem enfrentou esta longa fila? Se o político rouba, ¿por que eu, que sou funcionário público, vou trabalhar direito, pra eles mamarem mais? Se o político rouba, ¿por que eu que sou pastor não posso pedir uma contribuição mais recheada dos meus irmãos? Se o político rouba, ¿por que eu que trabalho no Detran e ganho muito menos que eles, não posso liberar uma carteira de trânsito sem a pessoa passar na prova se alguém me der uma ajudinha? Se outros políticos roubam, ¿por que eu, que consegui virar político, não vou roubar?

Andando assim, no fim das contas, todo mundo é passado para trás, todo mundo é mutilado dos seus direitos, todo mundo sai perdendo.
Observo que muitas vezes Brasília é tão e tão somente um álibi fajuto. Nada mais, nada menos que isto.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Os filhotes de Guga

Lembro-me que quando Gustavo “Guga” Kuerten chegou ao topo da escala do tênis mundial, em 2000, muitos predisseram que, devido ao grande impacto midiático de sua aparição no Brasil e o decorrente aumento da presença de jovens nas escolinhas de tênis, daí a alguns anos veríamos diversos outros tenistas brasileiros no fastígio deste nobre esporte.
Os 10 anos previstos pela maioria dos analistas se passaram.
¿E agora, José?

Um lembrete

Israel pensa que cada dia que passa, faz-se esquecer as atrocidades que comete.
Israel pensa que o conflito entre palestinos e israelenses passa aos olhos do mundo como uma guerra interminável – não uma guerra devido a uma ocupação de um país por outro, como o Iraque pelos EUA. Muitos até podem pensar assim, que o conflito no Oriente Médio faz parte das guerras habituais daquela região. Mas nem todos, Israel. Nem todos.
Israel pensa que continuará para sempre cometendo todos os crimes que quer cometer e o máximo de consequência que terá serão homens bombas perdidos e mísseis vagabundos: não será.
Israel quer nos fazer cansar e que deixemos pra lá o sofrimento dos palestinos.
Israel quer que não aprendamos, ou se já aprendemos, que nos esqueçamos da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Quer também que fiquemos ignorantes de seus apêndices, como a Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais. Lá vemos gravado, dentre outros, logo em seu primeiro artigo:
"A sujeição dos povos ao domínio estrangeiro é uma negação dos direitos fundamentais do homem".
Mais do que isso é desnecessário dizer.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

As togas do atraso

Basicamente nenhum progresso social, moral ou intelectual ocorrido em nossa sociedade é conseguido através do poder judiciário. Ao contrário: é conseguido apesar dele.

Terreno vasto

Toda vez que leio ou vejo uma reportagem qualquer, em que uma pessoa se refere ao presidente de uma empresa como CEO (Chef Executive Officer) ou Chairman, eu penso como deveras é impressionante os limites da imbecilidade humana.
Se é que eles existem.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Obrando durante a leitura

Sempre acho incrível a “capacidade” que algumas pessoas possuem de ir para o banheiro dar uma bela de uma cagada e levarem o jornal para lerem enquanto realizam sua “obra”.

Pois pra mim isto não cabe, dado que não dá tempo sequer de ler uma coluna.
E dependendo do aperto, ¡nem um parágrafo!