terça-feira, 25 de agosto de 2015

Ilustração - por Yuri Shwedoff (artstation)

Assim de fato matam o samba

     As coisas avançam, eventualmente evoluem, na medida em que, para cada um, suas opiniões são atendidas.

     Por anos o samba foi um estilo de música que representou a identidade nacional. E representa na medida em que faz sucesso, e é cantarolado ao longo do país. Se é algo que ninguém escuta, por melhor que seja a música, ela não pode ser identificada com a alma brasileira.
     Com o passar do tempo, diversas ramificações, como o pagode, surgiram (há um dissenso sobre o assunto, mas uma das opiniões sobre o tema afirma que a diferença entre o samba e o pagode é que neste último o ritmo é mais cadenciado, romântico, e se utilizam instrumentos eletrônicos com generosidade, enquanto o samba é levado prioritariamente pelo violão/ cavaquinho, tamborim e cuíca, possuindo ritmo mais acelerado).
     E sendo o pagode uma ramificação do samba que fez sucesso e conquistou um grande público (a despeito de os sambistas auto-alcunhados “de raiz”, puristas, surtarem com a comparação), pode-se reconhecer como sendo o samba fazendo sucesso, já que é somente uma sua derivação. 
     Porém, mesmo o pagode anda em desuso, alguns pagodeiros sequer se reconhecem como tal, e ficam em suas lamúrias e vagidos de um suposto preconceito pra cá e pra lá.

     Das coisas que julgo mais irritantes no assunto samba, é quando tentam reavivá-lo por meio do saudosismo.
     Samba, na minha singela opinião de não-especialista é algo que cheira a velho, varicoso, mórbido, justamente por olharem tanto pra trás – e não vislumbrando o futuro como deveria ser. 
     Como é de praxe, curtir a boa música que foi feita em anos idos é ótimo tanto para o ouvinte quanto para os atuais músicos. Para estes últimos, além do prazer de se escutar o que se gosta, é também um ótimo insumo para que se possa progredir, para que possa inspirá-los a fazer novas canções. 
     Respeite-se, reviva-se e aprenda-se com o passado. Natural. 
     O problema é que esta base histórica deve ser utilizada para avançar, não para se ficar preso a ela. Pois senão, ao invés de te empurrar para frente, vira uma bola de ferro agrilhoada a seu tornozelo que te leva para o fundo. E te afoga.
     Acredito que o principal motivo a fazer com que o samba tenha se tornado apenas um esqueleto apodrecido seja exatamente esta prostração, esta subjugação ao que passou.
     É pra frente que se anda, diz uma letra de Ary Barroso. Parece que o conselho não foi assimilado.
     Quando escuto a música “Não deixa o samba morrer / Não deixa o samba acabar...” a impressão que tenho é que é preferível mesmo morrer a ouvir pela enésima vez a mesma ladainha infernal, o mesmo chororô reiterado.
     Costumeiramente julga-se esta canção como um samba, mas na verdade trata-se de um réquiem.

Fotografia submersa - por Seth Casteel (littlefriendsphoto)

Marchinhas de carnaval

     Creio que uma das coisas mais anacrônicas da cultura pátria sejam as tais marchinhas de carnaval – se é que ainda podemos considerá-las como elementos de nossa cultura, e não só do nosso passado. 
     Dentro de cada contexto, de cada época, a curtição no carnaval, seja da juventude, seja dos mais velhos, assume variadas formas. Porém, tratam as marchinhas como se fossem um patrimônio nacional (!).
     ¿Como assim, Cara Pálida? ¿Por acaso desfrutar o carnaval escutando uma marchinha é mais nobre do que indo atrás de um trio elétrico? ¿Ou dançando ao lado de um carro de porta-malas aberto, com seu som potente estrondando os tímpanos de quem passa perto? ¿Ou dos foliões seguindo os bonecos de Olinda? ¿Não são todas formas variadas de diversão, consoantes a época em que se manifestam?
     Pode-se, evidentemente, ao longo do tempo, preferir uma a outra, ou nenhuma delas – até porque, estatisticamente, sempre e sempre, a quantidade de pessoas a participar destes eventos são minoria no todo da população.
     O que julgo espantoso é deliberar que uma seja a representação da cultura brasileira, e a outra, não. É uma ideia completamente equivocada. As marchinhas de carnaval compõem nossa cultura, da mesma maneira que trios elétricos, carros de som, carnaval de Olinda, festas de São João, festival folclórico de Parintins (Caprichoso e Garantido), etc.
     Que cada qual aprecie uma ou outra manifestação da cultura popular da forma como bem lhe aprouver. O que não dá para aceitar é que certos çábios definam quais eventos populares representam a nossa cultura. 
     Francamente, convenhamos.

Yoda - por Jerry Vanderstelt (Arte digital - Pinterest)

Aforismo CXX

O papa Francisco possui um grave problema – é cristão.

Inspire-se - por Adrian McDonald (Fotografia - Yahoo!)

Sina(l) dos tempos

     Quando eu era (oficialmente) criança, a escola onde estudava arquitetou um esquema de recompensa muito interessante. Quando os alunos terminavam seus exercícios ou suas provas e tinham algum tempo livre enquanto os outros ainda faziam suas atividades, todos podiam ir ao fundo da turma, escolher um dos vários livros ao nosso dispor, e lê-los.
     Esses livros eram levados por nós mesmos, e como cada estudante levava alguns, a soma gerava uma bela quantidade. Esta atitude gerava um vínculo muito interessante com a literatura, pois, o prêmio por termos terminado nossos exercícios antes dos demais era podermos ler. E os alunos acabavam desejando ler todas as obras que lá estavam. Não era uma obrigação, não era um castigo, não era uma dificuldade como habitualmente as crianças são levadas a literatura: ler era uma retribuição, um bônus, uma recompensa que conquistávamos – na raça.
   Não sei bem a forma e a intensidade com que estes fatos demudaram a vida dos outros alunos, tampouco sei se foi esse o motivo de ter me tornado um ávido leitor. Creio mesmo que não, simplesmente porquê, de modo geral, quase nenhuma grande ação ou grande decisão na vida poderia ser oriunda de apenas um ato ou gesto em certo momento de nossa história. Creio que a soma de diversos fatores possa construir um bom leitor (a pré-disposição, o acesso a – bons – livros, o exemplo, a disciplina, a inserção da literatura de maneira prazerosa, etc.). O mesmo vale para um bom cristão, um bom profissional, um bom pai, um bom professor/aluno, um bom amigo, etc.: são múltiplos elementos que podem levá-lo a agir da maneira esperada e desejada e não apenas uma única e especial “conversão” no meio do caminho. Até porque é de praxe que, independente das escolhas que façamos na vida, as estradas costumam ser sinuosas e em algum momento acabemos por tropeçar. Sendo variadas as causas que nos levaram naquele caminho, em alguma poderemos nos agarrar mais fortemente para retomarmos nosso destino. Se é apenas uma, muito especial e intensa, pode ser justamente (uma decepção com) ela que nos fez tombar. Daí não conseguiremos nos reerguer.
     De qualquer maneira paro por aqui, para não divagar em apartes – já os basta na linha principal do texto.
     Na verdade lembrei-me destas antigas reminiscências porquê fiquei ciente que algo similar ocorre na escola de minha sobrinha. Os alunos também são premiados quando acabam mais rapidamente suas atividades antes dos demais. Porém, quando têm tempo livre dentro de sala de aula, a recompensa dada a eles não é poderem ler um livro: neste momento é facultado aos estudantes a utilização de seus venerados celulares.
     Sina(l) dos tempos.

     Aqui seria o momento em que deveria se iniciar aquela enfadonha e exaustiva lição moralista, exaltando a diferença daquilo que vivi em minha (supostamente) bela infância ante a degradação da mocidade atual. Mas não cairei nesta esparrela. Até porquê, como bem disse Jesus, a cada tempo basta o seu mal.