sexta-feira, 18 de junho de 2010

Réquiem (O que vai e O que fica)

É atribuído à Heráclito de Éfeso o conceito de que não se entra duas vezes no mesmo rio.
Isto porque, ao se voltar para ele, a água que ali estava já mudou, a despeito de na aparência ele ser o mesmo.
Pois bem, o filósofo que nutria tal ideia tinha a ideia de que também somos como um rio. As coisas mudam, a despeito de parecerem as mesmas.
E quando li o último livro de Saramago, Caim, pensei que nem tudo muda. Passa a água, passam-se os dias, a terra cobre seu giro, as estações se esvaem, envelhecemos e... José de Souza Saramago prossegue sendo meu autor favorito – com alguma distância para os outros. Faça chuva, faça sol. Talvez seja a única pessoa que eu possa dizer, infantilmente: sou fã dele.
Eis que hoje o renomado autor se despede do mundo dos homens, aos 87 anos, completamente (barbaramente eu diria) lúcido e ainda escrevendo (digo escrevendo, e não trabalhando). Vai-se para minha tristeza, e, mesmo que não o saiba, vai e deixa aqui comigo, que escrevo estas singelas linhas, um naco de uma distante dor amarga e solidão intelectual, uma triste sensação de que a humanidade perde demasiado, e que não há ninguém a vista para compensá-la.
A verdade, é que ficamos sós. Intensamente sós.
De qualquer modo também fica uma vasta obra para quem tem bons olhos. Uma minoria os possui, não posso deixar de frisar.
Íntegro, inteligente, único Nobel de literatura para a língua portuguesa, dono de uma visão absurdamente clara sobre o mundo e sobre as relações humanas, comunista, ateu convicto, Saramago se vai.

Esta noite rezarei por ele – contrariando seus desejos.

3 comentários:

aquela garota ali disse...

Adorei o post.
Saramago é apaixonante mesmo.
Uma pena que não seja tão lido como os livros de auto-ajuda.
Você tem algum livro favorito dele?

Doney disse...

Sim, Suzuki, "Ensaio sobre a cegueira", "O evangelho segundo Jesus Cristo" e "A Caverna".
Lá no http://listadelivros-doney.blogspot.com/ opino sobre todos que li.
Sds.

Anônimo disse...

Também sou fã de Saramago. Grande contador de histórias. Gostei de todos os livros que li. "O memorial do Convento" foi o primeiro.
Pena que quem diz mal de Saramago nunca tenha lido os seus livros (conheço gente assim)pois ficam a perder.