segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Minha Caneca Cheia

Se a ponta do lápis
Fosse menos percuciente
Se a minha justiça
Fosse menos leniente

Se eu não tivesse os ombros vergados
Pelo peso de três mundos
Nem na superfície eu tenho fôlego
Que dirá mergulhar no mais fundo

Se o meu passado fosse menos aterrador
E não fosse tão distante o que me permeia
Se o meu prazer fosse o meu labor
Se eu soubesse onde está minha caneca cheia

Se seu coração não tivesse ricocheteado minha intenção
E as pombas não houvessem se perdido no mar
Se a paz fosse uma obrigação
Se o meu navio tivesse onde ancorar

Se minha esperança não tivesse migrado
Para mares nunca dantes navegados
Se mil sinos não tivessem badalado meus ouvidos
Se só ao entrar em guerras fosse ferido

Se a morte tivesse uma explicação
Se não vazasse o que corre em minhas veias
Se o meu amor não houvesse singrado rumo à escuridão
Se eu soubesse onde está minha caneca cheia

Se existisse luz em alguma parte do dia
Se houvesse encontrado alguém que estivesse errado
Se não tivesse maldade no som de quem sorria
Se eu conhecesse alguém que não fosse encarcerado

Se a individualidade não fosse uma instituição
E o querer bem não trouxesse ingerência
Se o poder não fosse uma ilusão
Se houvesse alguém que não sofresse de carência

Se as regras não fossem flexíveis
E se soubessem que é santa toda ceia
Se as minhas verdades não fossem irredutíveis
Se eu soubesse onde está minha caneca cheia

Se cobras não tivessem picado
Todo e qualquer um de nós
Se admitisse que de tanta coisa sou culpado
Se nos lembrássemos que não estamos sós

Se meus grãos tivessem germinado
Se meus pães tivessem sido oferecidos
Se a chuva ácida tivesse acabado
Se meus tesouros fossem guarnecidos

Tanta coisa que poderia,
Luz branca que ainda não me incendeia
Mas sem tudo isso eu (perfeitamente) viveria
Se eu soubesse onde está minha caneca cheia

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