Estava embarcado na plataforma e um companheiro de um barco que estava próximo teve um princípio de enfarte. Solicitaram a subida do enfermo à bordo para que tivesse atendimento pelo técnico de enfermagem, no que foram atendidos.
Como seu transbordo foi feito já no lusco-fusco, seu retorno somente dar-se-ia no dia seguinte (por questões de segurança, só se transborda à noite por cesta em casos extremos).
Calhou que o profissional, bastante assustado e nada ambientado com o ambiente da plataforma, veio pernoitar no camarote em que eu estava hospedado.
Eu estava bem envolvido na leitura de um livro (¡milagre!), mas ele puxava papo a todo momento, com uma carência enorme, necessitando conversar com alguém. Larguei então a obra e comecei a dialogar com o companheiro.
Porém, a medida em que conversávamos, o papo foi tomando um rumo mórbido, a respeito de problemas de saúde, doenças, mortes, num tom seriíssimo, muito mais do que pesado. Por mais que tentasse me desvencilhar, ele puxava novamente assuntos sombrios, num clima horrível.
Tentando sair daquele contexto, o orientei a tomar banho com a toalha disponibilizada no camarote; mesmo que não houvesse trazido roupa, ao menos poderia tomar banho e vestir os mesmos trajes com que veio.
O colega então, num tom onde se detectava facilmente o pesar e a tristeza de um lado, o gélido e o fúnebre do outro, me responde de chofre:
- Não, eu já tomei banho no barco. Pensei comigo: seu eu vou morrer, ao menos vou morrer com dignidade, vou morrer com meu corpo limpo.
Bem, aí foi o fim, ultrapassou os limites da minha inteligência emocional, saí do camarote – na verdade fugi do camarote – desejando uma boa noite e só retornei quando era bem tarde, já com a certeza de que ele estaria dormindo.
Foi demais pra mim.
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