Quando eu era (oficialmente) criança, a
escola onde estudava arquitetou um esquema de recompensa muito interessante.
Quando os alunos terminavam seus exercícios ou suas provas e tinham algum tempo
livre enquanto os outros ainda faziam suas atividades, todos podiam ir ao fundo
da turma, escolher um dos vários livros ao nosso dispor, e lê-los.
Esses livros eram levados por nós mesmos,
e como cada estudante levava alguns, a soma gerava uma bela quantidade. Esta
atitude gerava um vínculo muito interessante com a literatura, pois, o prêmio
por termos terminado nossos exercícios antes dos demais era podermos ler. E os
alunos acabavam desejando ler todas as obras que lá estavam. Não era uma
obrigação, não era um castigo, não era uma dificuldade como habitualmente as
crianças são levadas a literatura: ler era uma retribuição, um bônus, uma
recompensa que conquistávamos – na raça.
Não sei bem a forma e a intensidade com que estes fatos demudaram a vida
dos outros alunos, tampouco sei se foi esse o motivo de ter me tornado um ávido
leitor. Creio mesmo que não, simplesmente porquê, de modo geral, quase nenhuma
grande ação ou grande decisão na vida poderia ser oriunda de apenas um ato ou
gesto em certo momento de nossa história. Creio que a soma de diversos fatores possa
construir um bom leitor (a pré-disposição, o acesso a – bons – livros, o
exemplo, a disciplina, a inserção da literatura de maneira prazerosa, etc.). O
mesmo vale para um bom cristão, um bom profissional, um bom pai, um bom professor/aluno,
um bom amigo, etc.: são múltiplos elementos que podem levá-lo a agir da maneira
esperada e desejada e não apenas uma única e especial “conversão” no meio do
caminho. Até porque é de praxe que, independente das escolhas que façamos na
vida, as estradas costumam ser sinuosas e em algum momento acabemos por
tropeçar. Sendo variadas as causas que nos levaram naquele caminho, em alguma
poderemos nos agarrar mais fortemente para retomarmos nosso destino. Se é
apenas uma, muito especial e intensa, pode ser justamente (uma decepção com)
ela que nos fez tombar. Daí não conseguiremos nos reerguer.
De qualquer maneira paro por
aqui, para não divagar em apartes – já os basta na linha principal do texto.
Na verdade lembrei-me destas antigas
reminiscências porquê fiquei ciente que algo similar ocorre na escola de minha
sobrinha. Os alunos também são premiados quando acabam mais rapidamente suas
atividades antes dos demais. Porém, quando têm tempo livre dentro de
sala de aula, a recompensa dada a eles não é poderem ler um livro: neste
momento é facultado aos estudantes a utilização de seus venerados celulares.
Sina(l) dos tempos.
Aqui seria o momento em que deveria se
iniciar aquela enfadonha e exaustiva lição moralista, exaltando a diferença
daquilo que vivi em minha (supostamente) bela infância ante a degradação da mocidade
atual. Mas não cairei nesta esparrela. Até porquê, como bem disse Jesus, a cada
tempo basta o seu mal.
Um comentário:
Texto muito bom.
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