sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Quem me dera

No dia que antecede uma viagem de ônibus noturna, costumo intencionalmente dormir mal, com vistas a chegar cansado para a viagem e adormecer mais facilmente. O problema é que nem sempre dá certo, às vezes fico extremamente cansado e não consigo apagar.
Tenho severas dificuldades com o sono, desde que era criança. O único período da vida em que não tive insônia foi numa época lôbrega em que dormia cerca de 5 horas por dia. Neste período tive insônia poucas vezes.
Mas não era disto que eu queria falar.

Depois de dormir mal, poucas horas, mal acomodado, sem ninguém ao lado (o que, convenhamos, num ônibus é até melhor), estou na rodoviária de Macaé, este recanto maravilhoso do planeta Terra.
Com sono, dor de cabeça e mal-humorado, procuro um banco onde ninguém durma – uma das muitas proezas do petróleo é a desigualdade social, Nigéria, Venezuela e outros países do Oriente Médio estão aí de prova – e, se possível, onde não haja nenhum fumante.
Mas não era das proezas de Macaé ou do petróleo que eu queria falar.

Sensabor como estava, abri a bolsa e fui ler, o que normalmente não gosto de fazer quando estou neste estado decrépito.
Eu estava com um Saramago na bolsa, “As pequenas memórias”.
Acredito que o momento em que estamos mais aptos para ouvirmos música seja na adolescência, onde se consolidam muitas coisas na vida (os nossos melhores amigos, por exemplo) e, creio que seja ali que escolhemos as bandas que serão as nossas favoritas para o resto de nossos dias.
Mesmo que nosso gosto musical venha a mudar, nunca gostaremos tanto quanto gostamos das músicas que ouvimos de quando éramos os nem tão inocentes adolescentes.
Mas não era disto que eu queria falar.

Com relação à literatura, já não tenho tal convicção. A leitura é algo mais complexo, e, não creio que haja alguma cronologia lógica em que estejamos mais ou menos acessíveis para o sabor dos livros.
Há, sim, momentos em nossas vidas em que estamos mais ou menos aptos, mas isto por problemas nossos, e não por estar em determinada fase da vida, como na adolescência.
Mas não era disto que eu queria falar.

Eu queria falar que, não estando em fase da vida mais ou menos apta a literatura, posso afirmar com isenção: quem me dera algum dia ter a visão, a inteligência e a sabedoria de uma pessoa como José de Souza Saramago.
Feliz é o mundo que possui uma pessoa como esta.

Nem tão bom para o mundo é o fato de pessoas como Saramago (ou G.G Márquez, por exemplo) estarem já se despedindo, dado o avançar da idade.
Não faz (tanto) mal. O que escreveram é eterno.
E, se Deus quiser, ainda nos encontraremos em outra dimensão, a despeito da (des)crença do mestre português.
A sua generosidade é tanta, que tenho certeza que o Pai Celestial os receberá de braços abertos. Até porque, o céu ficaria menos bonito sem o seu altruísmo, sua inteligência e a sua lucidez.

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